ConJur – Consolidação suculento voluntária
A Lei 11.101/2005, na sua redação original, não previa expressamente o litisconsórcio ativo, isto é, a possibilidade de um grupo de empresas ingressar em recuperação judicial em conjunto. Diante da pouquidade de regulamentação, coube à princípio e à jurisprudência edificar uma solução para a preterição permitido.
A verdade é que, num primeiro momento, o tema passou desapercebido e, em concreto, bastava que um grupo de empresas ingressasse com a recuperação judicial para que fosse admitida a chamada consolidação suculento, sem maiores formalidades ou debates.
Posteriormente, a jurisprudência se apercebeu dos abusos que vinham ocorrendo e passou a estabelecer limites e condições a essa possibilidade, delineando a diferença entre a mera consolidação processual e suculento.
Neste sentido, a jurisprudência se dividiu em duas correntes: a primeira, no sentido de que caberia ao magistrado deliberar se deveria ou não ser admitida a consolidação suculento e, a segunda, que tal deliberação caberia à tertúlia de credores.
Para a primeira manante, a consolidação suculento permitido dependeria do preenchimento de determinados requisitos ligados normalmente a uma sorte de confusão patrimonial ou meandro de finalidade das empresas, uma vez que definido no item 50 do Código Social; já para a segunda, a consolidação suculento voluntária dependeria da aprovação dos credores.
Com a reforma legislativa perpetrada pela Lei 14.112/2020, buscou-se regular os requisitos legais para que um grupo de empresas possa pleitear em litisconsórcio ativo a recuperação judicial (mera consolidação processual) e outros requisitos para que o pedido possa também ser feito sob a forma de consolidação suculento.
O ponto fundamental que diferencia a consolidação suculento da mera consolidação processual está na apresentação de um projecto único, com aglutinação de ativos e passivos, de modo que todos os credores, respeitada a partilha em classes, possam ser tratados igualitariamente, independente da empresa devedora e agrupados em um único quadro de credores, mitigando-se a autonomia das pessoas jurídicas. E, a esse termo, devem ser preenchidos os requisitos legais, cabendo ao juiz a decisão a reverência do tema, isto é, a consolidação suculento somente ocorreria por deliberação do raciocínio recuperacional, por meio de decisão interlocutória, sujeita a recurso.
Ocorre que, a partir de um inspecção literal da norma permitido, poder-se-ia concluir que, dentre as duas correntes supra expostas (deliberação acerca da consolidação suculento pelo magistrado ou pela tertúlia universal de credores), o sistema jurídico brasílico teria optado pela primeira.
Essa tradução, salvo melhor raciocínio, não é a mais correta.
Com efeito, incerteza não há de que, preenchidos os requisitos do item 69-J da Lei 11.101/2005, deve o magistrado deferir a consolidação suculento. Neste sentido, o termo “poderá” não deve ser entendido uma vez que uma espécie de discricionariedade, mas sim um verdadeiro poder responsabilidade do magistrado. Neste ponto, aliás, a lei restou omissa e deverá ser objeto de construção doutrinária e jurisprudencial, se a preceito da consolidação suculento pode ocorrer de ofício ou se dependeria de requerimento e, neste último caso, se a legitimidade para tanto seria somente das recuperandas ou poderia partir de qualquer credor, do Gestor Judicial ou do Ministério Público.
Todavia, não podemos nos olvidar que, ao lado dos poderes do magistrado na transporte da recuperação judicial, a legislação deu destaque aos poderes e soberania da tertúlia universal de credores.
Com isso, nos parece verosímil e legalmente autorizado que as empresas em consolidação processual que não preencham os requisitos do item 69-J possam sujeitar o tema à deliberação da tertúlia universal de credores, numa espécie que podemos denominar consolidação suculento voluntária.
Tal entendimento é reforçado pelo próprio item 50 da lei 11.101/2005, que regula de forma exemplificativa os meios de recuperação judicial das empresas.
Com efeito, podem as empresas em recuperação judicial entender que, apesar de não preenchidos os requisitos dos 69-J, a consolidação suculento constitui forma adequada para a solução da crise enfrentada pelo grupo de empresas, hipótese em que as recuperandas devem apresentar projecto único de recuperação judicial de todas as empresas, para que a questão da consolidação suculento seja decidida pela tertúlia universal de credores.
Nesse cenário, a texto do item 69-I, ainda que ocorra do ponto de vista temporal uma única convocação e realização de tertúlia universal de credores, sob a ótica deliberativa estaremos diante de assembleias independentes, cujos quóruns de instalação e deliberação serão individualizados para cada uma das empresas, até decisão assemblear a reverência da recepção ou não da consolidação suculento.
Isto significa que, no caso da chamada consolidação suculento voluntária, cabe à tertúlia universal de credores de cada uma das empresas deliberar se aprovam ou não o pagamento por meio de um projecto único de recuperação judicial.
Evidente que, neste caso, à míngua de uma regulamentação específica, alguns problemas devem ser superados.
O primeiro, é a forma uma vez que se dará a votação. A esse reverência, entendemos que a votação deve ocorrer pela totalidade de créditos das empresas (item 38) e não por classe, na medida em que, o que está sendo efetivamente deliberado não é o projecto de recuperação judicial, mas sim a concordância ou não com a consolidação suculento, citando-se uma vez que precedentes nesse sentido as deliberações assembleares nos processos nºs 1069420-76.2017.8.26.0100 e1026974-06.2019.8.26.0224), sem ignorar posição em sentido contrário no processo nº 1057756-77.2019.8.26.0100, por exemplo.
O segundo, é a repudiação da consolidação em uma ou mais empresas. Nesta hipótese, uma visão simplista seria a de que a consolidação suculento se limitaria àquelas empresas cujas assembleias aprovaram a apresentação de projecto único, ficando excluídas aquelas que rejeitaram. Pondera-se, no entanto, que a recepção da consolidação suculento de somente segmento das empresas em recuperação judicial pode ensejar a sua reprovação também com relação ao todo, já que a reunião de ativos e passivos das empresas pode ter sido o motivo determinante para aqueles credores que votaram favoravelmente, hipótese em que deverá ocorrer novidade votação para que os credores cujas devedoras foram abrangidas pela consolidação suculento parcial possam confirmar sua intenção de aprovação.
Outrossim, a exclusão de uma ou mais empresas torna, no mais das vezes, necessário o ajuste do projecto de recuperação judicial apresentado, de modo a readequá-lo ao novo cenário de consolidação suculento parcial, podendo ensejar a suspensão dos trabalhos assembleares.
Todos esses pontos demonstram que a questão ainda está longe de uma plena pacificação, cabendo a jurisprudência com o passar do tempo a consolidação de sua posição.
Oreste Nestor de Souza Laspro é jurisperito, gestor judicial. Professor de Recta Processual da Faculdade de Recta da USP (Universidade de São Paulo).